Bandeiras de mastro baixado que voltam a ser içadas
Prezados clientes e colaboradores,
Todo dia acordamos pensando que houve aprovação dos projetos de lei da reforma tributária sobre o consumo. Há poucos dias tiraram da pauta de urgência. Parece que é um jogo de gato e rato com todos nós que esperamos avidamente pelo que será ou não aprovado.
A reforma é sim com foco no consumo, mas dois dos impostos que estão sendo regulamentados pelo PLP 108/2024, são a bola da vez: ITCMD (Imposto sobre a Herança) e o ITBI, ambos incidentes sobre o patrimônio.
Os dois impostos já foram tema de Informes por aqui. O que trazemos desta vez é a supressão de direitos conquistados pelos contribuintes em sede de teses firmadas em recursos repetitivos (a tese firmada em um recurso repetitivo deve ser aplicada por todos os tribunais a todos os processos que discutam a mesma questão de direito) com as modificações vindouras. Vamos a cada uma delas:
Comecemos pelo Imposto sobre a Herança que no julgamento do Tema 1.048 pelo STJ, em 2021, definiu que no imposto referente à doação não oportunamente declarada pelo contribuinte ao fisco estadual, a contagem do prazo decadencial teria início no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado.
O julgamento trouxe segurança ao Contribuinte quando estabeleceu limites temporais para a possibilidade de o Fisco Estadual identificar, por iniciativa própria, fatos geradores do tributo. Em sentido diverso, o PLP 108/2024 estabeleceu como momento da ocorrência do fato gerador a data do ato ou negócio jurídico, nos casos em que não houver formalização. O texto base indicou que o prazo de decadência, nestes casos, será contado a partir da data do conhecimento do ato ou negócio jurídico pela administração tributária estadual ou distrital.
O que isso quer dizer? Esta mudança de critério de contagem pode implicar na impossibilidade do decaimento do direito do Fisco Estadual “descobrir” e lançar o imposto sobre operações sujeitas ao ITCMD.
E isso pode? Direito eterno de cobrança de um imposto? O CTN separa nitidamente o prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito tributário, do prazo prescricional de cinco anos para cobrança deste crédito. Antes do lançamento tributário, o prazo é de decadência. E faz sentido. Não podemos ficar eternamente à mercê do Fisco. Se ele não trabalha de forma eficiente a vir cobrar o imposto que acha que é devido, ele não pode ser premiado com a eternidade do prazo.
No caso do ITBI, o conflito vem com momento da ocorrência do fato gerador do ITBI. O PLP 108/2024 prevê o acréscimo do artigo 35-A ao CTN, para estabelecer como elemento temporal do fato gerador do ITBI o “momento da celebração do ato ou título translativo oneroso do bem imóvel”. Mas o Tema 1.124 do STF afirmou, em sentido contrário que “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.
A mudança introduzida pelo projeto de lei pode conferir legitimidade à prática dos municípios e órgãos registrais imobiliários de exigir o pagamento do ITBI antes do ato de averbação da transmissão, com a mera assinatura de escritura de promessa de compra e venda ou cessão, por exemplo. O texto trazido pela Reforma reacende a discussão e viabiliza o restabelecimento desta prática, bastante questionável do ponto de vista jurídico.
Ainda sobre o ITBI, outra alteração introduzida com o Projeto de lei da Reforma é sobre a presunção de legitimidade e veracidade do valor adotado nas transações declaradas pelos contribuintes. O PLP 108/2024 acrescenta artigo 38-A ao CTN, estabelecendo que se considera valor venal, para fins de ITBI, o valor de referência ou o valor da transmissão, o que for maior, do bem imóvel ou dos direitos reais sobre bem imóvel.
A nova disciplina determina que o valor de referência será estabelecido por meio de metodologia específica para estimar o valor de mercado dos bens imóveis, nos termos de legislação municipal ou distrital e será fixado anualmente nos termos da legislação municipal ou distrital. Tal regulamentação vai de encontro ao Tema 1.113 que definiu que o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, somente ilidível pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio.
No julgamento deste tema, o STJ estabeleceu que os municípios não poderiam arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por si estabelecidos unilateralmente. O PLP traz entendimento contrário, dando legitimidade à conhecida pauta fiscal e, uma vez mais, suprime um entendimento favorável aos contribuintes.
São anos aguardando as decisões dos temas repetitivos e anos batalhando pela definição de temas que interessam a todos e guiam os tribunais Brasil afora e agora a reforma levanta certas bandeiras de novo, cujo mastro já estava baixado. Por isso que repensar e fazer o seu planejamento patrimonial e sucessório pode ser um alívio ao invés de esperar por estas incertezas e brigas judiciais eternas.
Nossa equipe, como sempre, está à disposição para auxiliar nas repercussões deste tema.