Responsabilidade ambiental: Do risco integral à exclusão por fato de terceiro
Há anos, os tribunais brasileiros aplicam uma regra cristalina: quem causa dano ambiental deve repará-lo. E, nos Temas Repetitivos 438 e 707, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que essa regra (conhecida como “teoria do risco integral”) não admite excludentes – nem caso fortuito, nem força maior, nem fato de terceiro.
Essa construção não surgiu do nada. Desde a Lei 6.938/81, o Brasil vem erguendo uma verdadeira blindagem jurídica em torno do meio ambiente, afastando a discussão sobre culpa e priorizando a reparação integral. O STJ apenas consolidou essa lógica: proteção máxima ao meio ambiente e responsabilidade integral do poluidor. Essa posição se tornou tão sólida que passou a orientar decisões em todos os níveis do Judiciário.
Eis que surge o Projeto de Lei n° 4/2025, que propõe o novo Código Civil, trazendo uma mudança pontual, mas potencialmente relevante para o setor empresarial. O artigo 952-A mantém a responsabilidade objetiva do causador de dano ambiental (aquela que dispensa a prova de culpa), mas inclui um parágrafo curioso: “A responsabilidade prevista neste artigo pode ser afastada em caso de fato exclusivo de terceiro.”
Aqui mora o perigo – e a oportunidade. Se o Projeto for aprovado, teremos o Código Civil admitindo excludente por fato de terceiro, em contraste com décadas de jurisprudência que consagra a responsabilidade integral.
Para o empresário, isso representa incerteza jurídica em dose dupla. Os tribunais abandonarão o entendimento consolidado? Ou buscarão uma leitura que preserve a proteção ambiental?
O que muda na prática?
Hoje, se ocorre um vazamento em sua fábrica causado por falha do prestador de serviço, você paga pela reparação do dano e depois busca o ressarcimento. No cenário futuro, se o Projeto for aprovado, a mesma situação poderá permitir que você tente comprovar a culpa exclusiva do prestador de serviço. Ênfase no “tente” – já que provar exclusividade de culpa é tarefa complexa, que exige documentação robusta e provas contundentes.
Importante frisar: o conceito de poluidor indireto continuará válido. Bancos que financiam, investidores que lucram e parceiros que se beneficiam seguem no radar.
A nova regra não é um salvo-conduto e a jurisprudência consolidada não se desfaz com uma canetada do legislador. Caberá aos tribunais interpretar a mudança, o que poderá levar anos.
Como se preparar?
Navegar nessa transição exigirá estratégia:
* Documente tudo que envolva possível responsabilidade ambiental de terceiros – cada e-mail, aviso e protocolo contam.
* Revise contratos desde já: cláusulas de responsabilidade precisam contemplar ambos os cenários.
* Reforce a due diligence: conhecer seus parceiros nunca foi tão crítico.
Como sempre, a melhor defesa é uma boa estratégia. E a melhor estratégia é aquela construída antes da crise chegar.