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Como um direito de sobrevivência impede a realização de inventário?

Informe Planejamento Patrimonial

(16/05/2024)

Prezados clientes e colaboradores,

Este ano está sendo, a olhos vistos, o ano do planejamento patrimonial e sucessório. As mudanças legislativas que afetam o PPS têm sido grandes e os clientes têm nos procurado bastante com muitas dúvidas.

No campo das estruturas internacionais a estrela tem sido a Lei 14.754 que modifica a tributação e contabilização no IR dos ativos offshores (no exterior), incluindo aplicações financeiras, rendimentos, empresas controladas, fundos e trusts. No caso deste último, houve quem criticasse o governo (o Ministro Haddad não sossegou enquanto não houve a promulgação) por tratar de um assunto nunca regulado por legislação nacional em lei com cunho contábil-tributário, sendo que há enormes impactos no campo cível, principalmente sucessório. Ou seja, nacionalizou o instituto, mas pelas beiradas, se assim podemos dizer.

Pior é a Joint Tenancy que sequer é tratada na legislação nacional. O que seria esta expressão inglesa sem correspondente na terra tupiniquim? Nada mais é do que uma estrutura de propriedade em condomínio, ou seja, dois ou mais sujeitos possuem 100% de titularidade sobre um bem. São coproprietários do todo, sem porcentagem de participação. 100% são de todos os tenants (proprietários). E as perguntas mais importantes: Por que ter uma joint tenancy? Quais as vantagens e desvantagens?

Normalmente ter ativos no exterior é para parte dos clientes que têm interesse e recursos para manter estruturas lá fora. Quem opta por patrimônio fora do Brasil procura por proteção contra oscilações cambiais já que o ativo está em moeda forte – mais frequentemente em dólar – e contra instabilidades político-econômicas. No caso do Brasil, outro fator deve ser considerado: a impossibilidade, até o momento, pois a mudança já está com data marcada com a Reforma Tributária, de não ser possível aos estados brasileiros, por falta da promulgação de lei complementar, de tributar, via imposto de herança (ITCMD), bens no exterior quando há doação em vida ou transmissão patrimonial quando do falecimento.

Mas, como dissemos, a impossibilidade de tributação vai passar a ser possível, visto que um dos comandos da Reforma Tributária é permitir a tributação de ativos no exterior mesmo sem a existência de lei complementar. Então se você tem ativos fora prepare-se porque seus herdeiros terão que pagar imposto quando receberem o patrimônio. Enfim, explicado isso, voltemos à joint tenancy.

Falemos especificamente do tipo Joint tenancy with rights of survivorship (ou JTWRS) que é um mecanismo jurídico em que dois ou mais titulares de um bem são 100% proprietários desse ativo, sem atribuir um percentual para cada (ou seja, ele é indivisível) e a expressão with rights of survivorship (com direitos de sobrevivência na tradução literal) significa que, no falecimento de um dos tenants, a propriedade passa a ser do(s) outro(s) coproprietário(s) sobrevivente(s), independentemente de haver herdeiros e é essa última parte a que costuma trazer mais questionamentos.

Isso porque se o tenant que morreu tinha herdeiros necessários (hoje pela lei brasileira: cônjuge, descendes e ascendentes), o que também pode sofrer alteração com a reforma do Código Civil (mas isso é assunto para outro informe), eles não receberão nada que estava sob a copropriedade da joint tenancy porque o direito neste caso é dos coproprietários e não dos herdeiros. E isso pode?

Verdade é que a estrutura de JTWRS foge dos padrões e leis brasileiras, pois por aqui 50% do patrimônio do falecido é dos herdeiros necessários e pensar em algo em que eles não têm direito nos faz pensar que tal estrutura somente não ofende a lei brasileira se até 50% do patrimônio da pessoa falecida estiver dentro da JTWRS. Do contrário seria uma clara desobediência à lei que culmina em impossibilidade jurídica.

Quando o tenant falecer, pela própria natureza da JTWRS, não há inventário do patrimônio que dela fizer parte, não havendo que se falar em formal de partilha e distribuição da quota parte dos herdeiros. Imagine que dois irmãos possuem uma empresa no exterior (offshore) com JTWRS. Um deles tem esposa e filhos e o outro é solteiro. Caso o irmão casado faleça, sua esposa e filhos não poderão incluir no inventário o patrimônio que está sob a propriedade da JTWRS, pois que tendo ele falecido seu irmão sobrevivente é o único titular dos bens detidos até então por ambos dentro da JTWRS.

Caberá ao irmão sobrevivente determinar como será regida a sucessão da estrutura quando ele falecer, inclusive utilizando um trust (nacionalizado na Lei 14.754 publicada em dezembro de 2023) ou testamento, por exemplo. Se a empresa offshore estivesse no Brasil, pela lei civil atual, a JTWRS não poderia ser instituída, pois viola o Código Civil.

Na prática, o que a JTWRS faz é retirar o ativo em joint tenancy do patrimônio do falecido no momento da sua morte sem a transmissão aos seus herdeiros, pois o que ocorre não é a transmissão da propriedade para o outro tenant, mas a consolidação de 100% da propriedade do ativo em suas mãos, sem que os herdeiros possam ter acesso a ele. É a possibilidade de legalmente “burlar” a lei de sucessão brasileira.

Fato é que os tribunais brasileiros quando são chamados a intervir em demandas envolvendo a JTWRS o são em razão do pedido, pelo contribuinte, de não ser cobrado dele o imposto de herança. E obtêm êxito (até agora, antes da Reforma Tributária começar a ter seus comandos valendo). A JTWRS traz a vantagem de evitar inventário no exterior (altíssimos custos que em algumas jurisdições pode ultrapassar 40% do valor do patrimônio em imposto a ser pago) e minimizar custos decorrentes da morte de um tenant com relação ao ativo em JTWRS (advogados e contadores a atuarem em prol do tenant sobrevivente, por exemplo).

Por outro lado, a estrutura pode prejudicar os herdeiros necessários, principalmente se estiver sob a JTWRS mais de 50% do patrimônio do tenant falecido. A inexistência desse instituto no Brasil não impede que ele seja reconhecido por aqui, desde que respeitados os ditames da lei nacional, ou seja, os direitos dos herdeiros necessários (50% do patrimônio é deles).

No Brasil pode-se aplicar o princípio da pluralidade dos juízos sucessórios, fazendo-se diferentes inventários de diferentes bens, sendo que aqueles localizados no Brasil são por aqui inventariados e aqueles localizados no exterior são inventariados fora e seguem as leis da jurisdição de onde estão. Mas pode também a Justiça brasileira realizar o inventário do patrimônio existente no exterior aplicando-se a lei estrangeira no Brasil, desde que haja previsão naquele país, devendo, neste caso, ser respeitado o direito dos herdeiros.

E a tributação da JTWRS no Brasil? Como fica? Será que houve mudança com a promulgação, em dezembro de 2023, da Lei nº 14.754?

Traremos a abordagem contábil-tributária destas estruturas no próximo informe e se você é um tenant ou quer saber mais sobre este instituto e está com dúvidas, não deixe de nos procurar.

Nossa equipe, como sempre, está à disposição para auxiliar nas repercussões desse tema.

Daniel Bijos 
Joana Braga