pten

A questão da transferência de créditos de ICMS entre filiais

Informe Tributário

(24/07/2023)

Uma questão que vem se arrastando há tempos nos tribunais diz respeito à incidência (e, consequentemente, à tomada e transferência de créditos) do ICMS nas operações de mera remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte titular, isto é, entre matriz e filial ou entre filiais de uma mesma empresa – especialmente se localizadas em Estados diferentes da Federação.

O tema é fruto de uma controvérsia em torno da interpretação de dispositivos da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), que considera ocorrido o fato gerador do imposto em qualquer saída de mercadoria, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular. Diversos contribuintes se insurgiram contra a regra, alegando contrariedade ao conceito constitucional de circulação de mercadorias, que deveria se restringir à circulação econômica (isto é, quando ocorre mudança de titularidade sobre o bem), e não abranger a mera movimentação física.

Após outros incidentes judiciais, apresentados inclusive pelas Procuradorias Estaduais, o STF estabeleceu, em 2020, o Tema nº 1.099 de Repercussão Geral, dizendo que “não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”. Já na ADC nº 49, proposta pelo estado do Rio Grande do Norte, reconheceu-se que a circulação de mercadorias para fins de cobrança do ICMS é somente a circulação econômica, mesmo no caso de operações interestaduais.

Houve modulação dos efeitos da decisão, a fim de que o decidido pelo STF passe a valer a partir do exercício financeiro de 2024, “ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito”. Em relação aos créditos das operações anteriores às transferências efetuadas sem o destaque do imposto, decidiu-se que os contribuintes poderão mantê-los, mas somente terão seu direito de transferi-los a partir de 01/01/2024, ainda que os Estados não disciplinem a questão.

Situação atual

Atualmente, então, a situação se delineia da seguinte forma:

• As transferências entre estabelecimentos devem ser feitas sem o destaque do imposto, respeitada a modulação dos efeitos da decisão – isto é, se o contribuinte não possui processo judicial iniciado antes de 29/04/2021, data da decisão do STF, ele deverá realizar as transferências com o destaque do imposto;
• Os créditos poderão ser mantidos no estabelecimento de origem, segundo os termos de lei a ser editada pelo Congresso Nacional; caso a lei não seja editada, os créditos poderão ser utilizados (compensados ou transferidos) já a partir de 01º de janeiro de 2024.

Em resumo:

• Contribuinte que não possui decisão em processo administrativo ou judicial:

o realiza transferência com destaque do imposto até 31/12/2023. Após essa data, poderá realizar transferências sem destaque e transferir créditos.

• Contribuinte que possui decisão em processo administrativo ou judicial:

o Se a decisão é desfavorável e o processo foi iniciado antes de 29/04/2021, deve pleitear a reversão da decisão para garantir a transferência de mercadorias sem o destaque;
o Se a decisão é favorável e o processo foi iniciado antes de 29/04/2021, deve seguir realizando transferências sem o destaque e manter o crédito no estabelecimento de origem até 01/01/2024, quando poderá transferi-los;
o Se a decisão é favorável e o processo foi iniciado depois de 29/04/2021, deverá haver a reversão da decisão e a transferência deverá ser feita com o destaque, assim como a manutenção dos respectivos créditos no estabelecimento de origem até 01/01/2024, quando então as regras de transferência de mercadorias e créditos poderão ser observadas.

Há a possibilidade, no entanto, de contestação judicial dessa estrutura, uma vez que é possível argumentar que a modulação dos efeitos da decisão do STF diz respeito somente à possibilidade de manutenção dos créditos no estabelecimento de origem, e não ao mérito da Ação Declaratória de Constitucionalidade do Estado do Rio Grande do Norte, isto é, à própria incidência do ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular.

Quanto ao tratamento dos créditos nos estabelecimentos de origem, o Projeto de Lei nº 332/2018 de iniciativa do Senado Federal – que já foi aprovado pela casa e atualmente encontra-se aguardando votação na Câmara dos traz ao contribuinte a opção dentre duas sistemáticas:

1. Efetuar a transferência sem a incidência do ICMS, mantendo os créditos das operações anteriores e:
• transferindo-os ao Estado de destino, limitado ao percentual estabelecido para as operações interestaduais;
• mantendo-os no Estado de origem, no caso de saldo remanescente após a transferência.

Ou:

2. Transferir a mercadoria com a incidência do imposto (como era feito há anos, até recente decisão), hipótese em que serão aplicáveis as alíquotas estabelecidas para a operação respectiva.

Seguiremos acompanhando a tramitação da matéria e manteremos nossos clientes informados de qualquer alteração relevante.

Nossa equipe, como sempre, está à disposição para auxiliar nas repercussões desse tema.

Bruno Accioly
Rafael Lapinha
Larissa Almeida