Conformidade Tributária e o “Rating Fiscal” – Vantagens, desvantagens e o que esperar da nova legislação de SP que cria índice para classificação de contribuintes
A regularidade tributária será, em breve, fator decisivo nos negócios. Estamos preparados para isso?
Tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o PLC nº 25/17, que cria o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária (já apelidado “Nos Conformes”). Esse programa pretende melhorar o ambiente de negócios no Estado com a implementação de políticas de governança tributária aos contribuintes e concessão de vantagens em sua adoção.
O programa busca, ainda, um alinhamento com o que a ciência econômica clama como fundamento para bom desenvolvimento de negócios: a redução da assimetria das informações – o acesso pleno às mesmas informações permitiria, nesse raciocínio, um campo de concorrência mais leal.
Um mercado consciente dos riscos operacionais das empresas que o integram tende a beneficiar o bom pagador e a reduzir os custos indiretos suportados pelas empresas para garantirem sua regularidade. Esta já é uma prática de longa data quanto a operações estritamente comerciais (vide os cadastros negativos de Serasa e SCPC) e pretende-se estendê-la ao âmbito fiscal.
Para tanto, o projeto cria um índice de conformidade, similar ao de agências de rating, segundo o qual o contribuinte é classificado de “A+” a “E”, de acordo com critérios de adimplência de tributos, ausência de inconsistências entre a escrita fiscal/declarações e as notas emitidas, bem como a regularidade e classificação de seus fornecedores.
Além da regularidade individual há um nítido estímulo para que os “bons” se unam, tentando criar um círculo virtuoso (mas na beirada da prática de discriminação ilegítima, que comentamos abaixo).
A lógica da classificação pretende beneficiar os contribuintes com os índices mais elevados, permitindo-lhes gozar de procedimentos simplificados perante a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo, como uma nova modalidade de monitoramento e autorregularização (isto é, antes do que seria uma autuação será dada oportunidade para correção).
Empresas de classificação “A+” e “A” terão o direito de solicitar análise prévia, podendo regularizar as inconsistências sem penalidade e recolher os tributos eventualmente devidos sem multa. Dentre outros benefícios, empresas com classificação “A+” terão, ainda:
a) Direito à apropriação de crédito acumulado ou restituição antes de fiscalização – o que reduz sensivelmente um problema de tempo/fluxo de caixa vivenciado por inúmeros contribuintes atualmente;
b) Possibilidade de transferir crédito acumulado a terceiros;
c) Possibilidade de quitar ICMS-ST e ICMS de importação por meio de conta gráfica;
d) Renovação de regimes especiais com a dispensa de verificação prévia.
Atenção que tais possibilidades são, efetivamente, uma evolução no cenário atual. Mas para poucos, pois gradualmente essas benesses são reduzidas, limitadas ou vedadas nas demais classificações.
De todo o modo, ao menos na teoria a iniciativa é louvável e está em linha com regras de compliance internacional e as boas práticas exigidas das empresas no contexto atual de negócios. Resta saber se a teoria se converterá em benefícios práticos e se os abusos serão evitados, especialmente porque o histórico da relação contribuinte-fisco não conduz à conclusão de que será fácil.
Logo no primeiro artigo da proposta, ao definirem-se os princípios do programa, pretende-se romper a maior barreira, a construção de um ambiente de confiança recíproca entre os contribuintes e o fisco.
Ocorre que não são incomuns os relatos de quebra dessa confiança (e nossa vivência no acompanhamento de fiscalizações e defesa de autuações os confirmam). Remanesce, por ora, a cultura na fiscalização do “infelizmente, não posso deixar de lhe autuar… percebo que não há infração, mas são ordens internas… não tenho liberdade”. É certo que essas orientações visam prevenir a cooptação de fiscais (corrupção), tornando sua liberdade de atuação restrita, mas tornam temerosa a implementação dos índices de conformidade.
A grande diferença estará na efetiva atuação da autoridade fiscal como orientadora da atividade do contribuinte e não simplesmente como arrecadadora.
Preocupa, mais, porque a reversão de autuações equivocadas a partir de janeiro/18 estará ainda mais dificultada. A recente Lei Estadual nº. 16.498/17 alterou regras de processamento do contencioso administrativo estadual e impôs limitação do acesso ao Tribunal de Impostos e Taxas (segunda instância administrativa), que será alcançado apenas em casos de autuações de valores acima de R$ 501.400,00. (20.000 UFESP), sob o fundamento de que diminuirá o acúmulo de processos no Tribunal.
Ou seja, se a Conformidade Tributária não representar, de fato, um rompimento dos velhos paradigmas na relação entre Fisco e contribuintes, haverá efeitos nocivos sobre esses últimos, que, em boa parte, deixarão de ter no Tribunal de Impostos e Taxas um importante aliado no aperfeiçoamento das autuações (o colegiado se fundamenta na paridade de seus integrantes, composto na metade por julgadores indicados pela iniciativa privada e, não raras vezes, mostra-se o órgão de aplicação do bom senso, com o cancelamento de autuações equivocadas, sem o alto custo da discussão judicial – protestos, garantias, advogados etc.).
Outro ponto relevante é que o tempo de permanência na classificação poderá ser fator limitante dos benefícios (tal qual um cadastro positivo), o que torna mais agravante eventual reclassificação por erro da fiscalização.
E como ficaria a retificação do cadastro nesses casos? Não custa destacar que o Código de Defesa do Contribuinte prevê como direito essencial o amplo acesso aos dados e, também, sua retificação. Importante a transparência, algo atualmente pouco visto.
Preocupa, também, que a classificação não tenha critérios objetivos, unicamente. O PLC prevê, sobre isso, a necessidade de regulamentação pela Secretaria de Fazenda para a definição dos demais critérios, podendo considerar, inclusive, porte empresarial e segmento de atividade. Algo ainda muito aberto e, por esse motivo, preocupante.
Não por menos, é duvidosa a legalidade da discriminação dos contribuintes em razão do grupo de fornecedores que possui – ou a indução do fornecedor a proceder com tal discrímen. Por exemplo, para enquadramento como “A+” é necessário que ao menos 70% dos fornecedores sejam empresas classificadas em “A+” ou “A”, afastando o interesse comercial do relacionamento com empresas de outros índices, ainda que aptas a fornecer com igual ou melhor qualidade. E como ficam as empresas dependentes de poucos ou de fornecedor exclusivo? Eventual irregularidade deste fornecedor pode prejudica-las?
E as empresas de outros estados? De acordo com o PLC, a empresa sediada fora do Estado de São Paulo que pretenda enquadrar-se no índice poderá fazê-lo, mas há uma imposição velada em decorrência da consequência de enquadramento como “D” na sua falta. Seria isso uma proteção de mercado?
Sem dúvida que a classificação terá impactos fortes na relação comercial das empresas, seja para pretender integrar o grupo de fornecedores desejados por seus clientes, como para instituições financeiras para deliberação na concessão de crédito.
Os reflexos são grandes e importantes. O projeto de lei está próximo de ser aprovado e emendas foram apresentadas (algumas aplacando aflições outras piorando).
É hora de começar a avaliar internamente como aproveitar as vantagens de uma boa classificação e como prevenir a ruim. Há tempos uma mudança legislativa não tinha tamanha possibilidade de afetação das relações empresariais.
Nossa equipe, como sempre, está à disposição para auxiliar nas repercussões fiscais desse tema.
Equipe Tributária.
Gustavo Silva
Bruno Accioly
Dilson Franca
Andressa Uller