O investidor-anjo e a incongruência tributária no Brasil
No passado alertamos sobre uma importante inovação legislativa: a criação do investidor-anjo (https://goo.gl/hqMpq7). Quando da publicação da lei, ficou claro que a intenção do Poder Legislativo era bem simples: incentivar a propagação e o desenvolvimento de startups que, muitas vezes, não contavam com o capital necessário para a consecução de suas atividades.
Ainda naquela ocasião chamamos a atenção para o fato de que a figura do investidor-anjo representava uma novidade bem-vinda ao desenvolvimento dos negócios no Brasil. Sem ser caracterizado como sócio ou possuir poderes de gerência ou administração sobre a empresa, o investidor-anjo poderia receber os frutos do seu investimento, tal como previsto em contrato de parceria.
Por fim, havíamos alertado que a legislação não havia estipulado, com precisão, como se daria a tributação sobre os resultados auferidos pelo investidor-anjo. Ainda pior: em uma atitude para nós absolutamente ilegal, a legislação havia concedido poderes ao Ministério da Fazenda para regulamentar a tributação, como se isso pudesse ser executado fora da alçada do Poder Legislativo. Prevíamos o pior.
Agora, sobreveio a regulamentação e nossas suspeitas se confirmaram: as notícias não são boas quanto à tributação definida pelo Ministério da Fazenda (mais propriamente, pela Receita Federal) sobre o investidor-anjo. As disposições, em nosso sentir, poderão colocar a perder todo o propósito da lei que era, e ainda é, estabelecer, propagar e concretizar novos negócios no País. Abaixo, trazemos nossos comentários.
I) O investidor-anjo e o paradoxo da legislação brasileira
O investidor-anjo é a pessoa física que, com capital próprio, investe em empresas nascentes e com alto potencial de crescimento, principalmente as startups. No geral, os investidores são profissionais experientes, que, com seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamentos, além dos recursos financeiros, agregam valor para o empreendedor.
Desse modo, não necessariamente o investidor tem posição executiva dentre da empresa. Sua função, no mais das vezes, reside em apoiar financeiramente o negócio e servir de conselheiro para as decisões do head de operações. Evidente que a finalidade do investidor é, uma vez desenvolvido o negócio, extrair a maior quantidade de lucro possível, algo que normalmente só vem depois de o negócio ter empregado funcionários, recolhido tributos, enfim, movimentado a economia.
Não é preciso muito para concluir que a atividade daquele que investe seu capital em empresas recém-constituídas ou em fase pré-operacional deveria ser absolutamente incentivada pelo Estado, até como forma de melhor desenvolver a incipiente economia brasileira. Sobre isso, nunca é demais lembrar que a decisão de investir em uma empresa configura uma assunção de risco e normalmente é levado em consideração o custo de oportunidade desse investimento (ainda mais quando se vive no País com a mais alta taxa de juros reais do mundo).
Contudo, em vez de incentivar os investidores a aportarem o capital em empresas recém-constituídas com alto potencial de retorno e, consequentemente, grande perspectiva de contratar empregados e de retornar parte desses resultados em tributos para o Estado, a Receita Federal optou simplesmente por minar essa possibilidade. Em resumo, o Governo aplicará ao investidor-anjo as mesmas alíquotas de imposto de renda exigidas em operações de renda fixa, como se fossem situações semelhantes. O paradoxo não poderia ser pior: em um momento de crise econômica, opta-se por frear o desenvolvimento de novos negócios.
II) A tributação do investidor-ano
Tal como já alertado anteriormente, a legislação brasileira passou a admitir entrada de recursos proveniente dos chamados investidores-anjos, mas salientou que estes não integrarão o capital social da empresa, tampouco serão considerados na receita da sociedade. Para tanto, os envolvidos deverão firmar contrato de participação, com vigência máxima de sete anos.
Ao final de cada ano-calendário, em conformidade com a legislação, o investidor-anjo fará jus à remuneração correspondente aos resultados distribuídos, como previsto no contrato de participação, desde que não superior a 50% dos lucros da sociedade. O direito de resgate do valor investido poderá ser exercido dois anos após o aporte de capital ou prazo superior estabelecido em contrato.
Recentemente a Receita Federal disciplinou a tributação dos rendimentos recebidos pelo investidor-anjo (Instrução Normativa RFB nº 1.719/17). Referente à incidência do Imposto de Renda sobre os rendimentos decorrentes do aporte, a retenção do imposto será feita na fonte e se utilizará um mecanismo de regressividade da alíquota diretamente relacionado com o prazo do contrato de participação, conforme abaixo:
Prazo de Investimento |
Tributação de IR |
Até 180 dias |
22,5% |
De 180 dias a 360 dias |
20% |
De 361 dias a 720 dias |
17,5% |
Mais de 720 dias |
15% |
Diante da alienação da titularidade dos direitos do contrato de participação pelo investidor, incidirá Imposto de Renda, com as mesmas alíquotas mencionadas. O tempo calculado entre a data do aporte e a data da alienação dos direitos será o período base para o cálculo do tributo.
Claramente a sistemática dessa tributação foi baseada nos investimentos de renda fixa em que os rendimentos das aplicações estão sujeitos a um sistema de alíquotas decrescentes conforme o prazo de aplicação. Aliás, as mesmas alíquotas nominais foram aplicadas.
Ocorre que a renda fixa, como se sabe, é uma aplicação que engloba a compra de títulos, privados ou públicos, e que traz ao aplicador a certeza de rentabilidade, não trazendo, assim, a assunção de riscos. A situação do investidor-ano, por outro lado, é completamente distinta, já que o capital estará em risco constante, suscetível às variações de mercado.
Tratar as duas operações como se similares fossem é um desserviço à economia do País que, em um momento de crise, necessita fomentar novos negócios.
III) Conclusão
Na nossa opinião, o mero fato de a legislação ter outorgado poderes à Receita Federal para que esta instituísse o tributo em questão já é ilegal, uma vez que somente a lei pode definir os sujeitos de uma relação tributária, sua base de cálculo e sua alíquota.
Não bastasse, ao equiparar o investidor-anjo a uma pessoa que investe em renda fixa, houve evidente desconformidade com a legislação que visou, em um primeiro momento, incentivar o desenvolvimento de novos negócios no País. Logo, a instrução normativa em questão pode, em nosso sentir, ser questionada judicialmente.
A equipe tributária da LBZ Advocacia está, como sempre, à disposição para esclarecimentos.
Equipe Tributária
Gustavo Silva
Bruno Accioly
Dilson Franca
Andresa Uller