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Reflexos da Reforma Tributária: como novo texto pode impactar o uso de créditos fiscais

Informe Tributário

(25/07/2023)

Conforme é de conhecimento geral, o uso de créditos fiscais é um elemento importante para garantir a não cumulatividade de diversos tributos indiretos, em especial o IPI, o ICMS e o PIS e a Cofins. É por meio deles que o governo federal e os estados asseguram que não haja a incidência em cascata ao longo da cadeia de produção, fenômeno que poderia onerar excessivamente o consumidor final e minar a competitividade dos produtos brasileiros. No entanto, também é de conhecimento geral que, muitas vezes, no final de um período de apuração pode ocorrer acúmulo desses créditos fiscais, isto é, os débitos tributários acabam sendo menores do que os créditos apurados na aquisição das matérias primas. Usualmente, aos contribuintes que acumulam saldos credores são oferecidas diversas formas de utilização desses valores, como ressarcimento, compensação com outros tributos, transferência a fornecedores etc.

Contudo, com o novo texto da Reforma Tributária, aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado, as empresas poderão ter dificuldades para continuar utilizando tais créditos, haja vista que a Proposta de Emenda Constitucional da reforma não prevê de forma clara a compensação ou monetização dos saldos credores após a extinção do PIS/COFINS, IPI, e ICMS.

De forma simplificada, cumpre-nos relembrar o atual tratamento dos créditos fiscais, cujos cálculos tomam por base o faturamento da empresa ou o montante de saída dos produtos, e cuja utilização está condicionada a algumas regras:

a)    Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS): O valor do ICMS é cobrado em todas as etapas de produção, com alíquotas que podem variar dependendo do Estado. Toda vez que há uma venda, ocorre o fato gerador, que gera a obrigação de recolhimento para quem comercializa o produto e o direito de crédito para quem o compra (desde que não seja o consumidor final). O crédito de não cumulatividade do ICMS permite que haja a compensação do tributo incidente na saída, isto é, garante a quem recebeu a mercadoria o direito de abater das suas operações de venda o valor do imposto que foi anteriormente cobrado. O efeito do acúmulo de saldo credor do ICMS costuma ser mais grave porque a utilização varia de Estado para Estado, e as empresas devem se atentar às regras específicas do local onde o crédito se acumulou.

b)    Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI): Para o cálculo dos créditos de IPI, é levado em consideração o imposto incidente sobre o preço das mercadorias recebidas ou importadas por empresas que realizam a venda de produtos industrializados, além dos relativos aos valores de mercadorias devolvidas ou retornadas e dos eventuais créditos incentivados.

c)    Programa de Integração Social (PIS) e o Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins): O PIS e a Cofins são contribuições incidentes sobre a receita bruta operacional e que podem ser apuradas tanto no regime cumulativo quanto no não cumulativo. Em geral, empresas que apuram o imposto de renda pelo lucro real também se enquadram no regime não cumulativo do PIS e da Cofins, podendo apurar créditos das contribuições. Atualmente, assim como ocorre no IPI, esses créditos podem ser restituídos ou usados para quitar quaisquer tributos administrados pela Receita Federal.

Em geral, é esperado um impacto positivo da reforma sobre o resultado das empresas em razão da simplificação decorrente da unificação do PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS em um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) Dual. Para substituir esses cinco tributos serão criados o IBS e a CBS – respectivamente, o Imposto e a Contribuição sobre Bens e Serviços.

No contexto da reforma tributária, é estabelecido que será aplicada a não cumulatividade ampla. Em termos práticos, isso implica que todos os gastos incorridos resultarão em créditos de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ou Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Esses créditos serão devidamente validados e reembolsados pela autoridade fiscal competente ou utilizados para compensação tributária das etapas posteriores. A responsabilidade pela gestão dessas compensações tributárias será atribuída ao Conselho Federativo.

No entanto, o texto não se aprofunda no momento de regulamentar a forma como os créditos antigos poderão ser utilizados após a transição para os novos tributos. Existe uma previsão estabelecendo que, em 2026, quando se iniciar a cobrança do IBS e da CBS, os novos tributos poderão ser compensados com os créditos antigos, e os eventuais saldos remanescentes poderão ser ressarcidos em até 60 dias. Em 2027, está prevista a extinção do PIS e da Cofins, e as empresas que ainda mantiverem créditos nessa data seguem no escuro em relação a como deverão proceder.

Em relação ao ICMS, cuja extinção está prevista para o final de 2032, a situação é similar: há regra definindo que a compensação dos créditos deverá ocorrer em 240 meses (20 anos). Não está claro se os valores devidos pelos Estados serão integralmente compensados somente após o transcurso de todo esse tempo, o que pode afetar significativamente o caixa das empresas, e nem como será o procedimento caso algum contribuinte ainda tenha valores a reaver após esse prazo.

Outro aspecto a ser levado em consideração são os créditos de ICMS relativos à transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, cuja regulamentação geral para todos os contribuintes ainda depende de lei a ser editada pelo Congresso, bem como os créditos relativos ao ICMS-ST.

A aprovação do texto da Reforma Tributária pela Câmara dos Deputados e seu encaminhamento ao Senado trazem incertezas e preocupações para as empresas em relação aos créditos fiscais. A falta de clareza na previsão de compensação ou monetização dos saldos credores após a extinção de impostos como PIS/COFINS, IPI, ICMS e ISS pode resultar em dificuldades para as empresas receberem esses créditos de forma adequada. É crucial que sejam feitos esforços para esclarecer e estabelecer mecanismos eficientes de compensação em nível de regulamentação infra-constitucional, como em Leis Complementares, a fim de garantir a segurança jurídica e a manutenção do caixa das organizações, bem como para evitar a judicialização excessiva desses importantes temas que deveriam ser regulamentados em mais profundidade pelo Congresso.

Nossa equipe, como sempre, está à disposição para auxiliar nas repercussões desse tema.

Bruno Accioly
Rafael Lapinha
Larissa Almeida